sábado, novembro 04, 2006

Referendo ao Aborto. Uma inevitabilidade democrática

Eis que foi aprovado no parlamento um novo referendo ao aborto. Aprovado pelos votos a favor do PS e do BE, marcado pela abstenção do PSD e votos contra do PCP, CDS e Verdes.
Contudo, este referendo deverá realizar-se num clima um tanto ou quanto tenso, por diversas razões, uma das quais visto ser um assunto do “campo da moral”, outra porque será o mote para a tentativa de captação de dividendos políticos de diversos partidos.
Este referendo realiza-se por uma razão principal: o facto de estar inscrito no programa de governo. Mas, mais do que item de programa, mais do que promessa, este referendo tal como qualquer outro é a Oportunidade. É a oportunidade de cada um de nós ter uma palavra directa e objectiva no campo político, ou seja na definição e tratamento de interesse público.
O referendo para se tornar vinculativo, o “sim” necessita de vencer por 50% + 1 voto, votando mais de metade dos eleitores. Há assim um enorme risco de este referendo não se tornar vinculativo. Este risco existe pela previsível (alta) taxa de abstenção. Por aqui poderá passar a batalha dos defensores do “sim” – “A Luta Contra a Abstenção”
Um referendo é um meio excelente de acção política, pois pode congregar e transparecer várias mensagens, dado que é a voz do Povo, e em democracia a sua vontade é tida em conta e vista como séria. Uma alta taxa de abstenção é (e deverá ser) interpretada pelo poder politico como um sinal de desinteresse e descontentamento. Ora, a existência de altas taxas de abstenção pode ser alvo de uma leitura muito peculiar. É lida como um “não” à forma de governo Democrática. Pode ser lida como uma vontade de inversão de regime. Revela a insatisfação perante este regime a vontade de o virar. Torna-se um falhanço do poder democrático, na medida que se torna inactivo.
De qualquer abstenção devem ser tiradas elações e lições. E embora este referendo não esteja assente numa base exclusivamente política há que tirar consequências politicas deste. Talvez este referendo venha a abrir novas reflexões, venha a colocar novas questões, questões essas que serão fruto da leitura mais óbvia dos resultados que este referendo possa vir a ter.

Aborto. Interrupção Voluntária da Gravidez até às 10 semanas. Ninguém é verdadeiramente a favor do aborto. Está em causa a despenalização e não a liberalização.
Obviamente que esta é uma questão de consciência. Nem tampouco é nossa intenção negá-lo.
É uma grande hipocrisia as alternativas por alguns apresentadas à IVG. Manobras legais para não prejudicar as mulheres que praticam o aborto?!!! Esta é, sem dúvida, a proposta mais absurda que poderia surgir, e só revela a hipocrisia destes. Seria tremendamente grave a abertura de uma excepção deste género na lei. Seria a abertura de um precedente que poderia dar origem a outras leituras e a outras reivindicações. Porque razão se deveria abrir um precedente nos casos de aborto e não também em outros casos? Que tipo de solução é esta?!
Para já, nesta discussão a igreja parece-me ter uma posição coerente. É contra qualquer tipo de aborto (nisto incluem-se os legais, ou seja, em caso de violação, má-formação do feto e perigo de vida para a mãe). Referi-me a coerente. Não a sensata. Penso que os casos de interrupção da gravidez tal como hoje são permitidos na lei, não são sequer discutíveis, constituem um princípio moral, que julgo ser absoluto. Contudo estou curioso e expectante. Quero ver atentamente a posição da Igreja neste debate público. Será que a igreja vai fazer campanha pelo “não”? Será bastante estranho que a igreja decida agora fazer campanha pelo “não”. Afinal se são contra qualquer forma de aborto porquê manifestarem-se apenas agora? A lei que permite o aborto já existe à vários anos, é no mínimo estranho a igreja iniciar agora a campanha “contra o aborto”. A igreja a ser correcta já tinha iniciado este debate à muito tempo. E iniciou? Não.

A IVG não será nenhum método contraceptivo. A IVG será a solução para inúmeros problemas, entre os quais o aborto clandestino.
Anualmente morrem milhares de mulheres devido à prática de aborto clandestino. O aborto é algo inevitável. Sempre se fez, faz-se e continuará a fazer-se. Temos duas opções claras e fáceis de entender:
1ª opção: Não à IVG. Logicamente, SIM ao aborto clandestino.
2ª opção: Sim à IVG. Logicamente NÃO ao aborto clandestino.


As hipóteses são claras e óbvias. Cabe-nos a nós permitir que a vontade da mulher seja cumprida, ora de forma legal, ou seja, em segurança e sem riscos, ora de forma ilegal, ou seja, de forma clandestina, horrorosa e com elevados riscos para a mulher.
Apelo a todos que decidam com base na vossa consciência. Sejam sensatos, e acima de tudo participem.

Nuno Cordeiro

2 comentários:

FDL/JS disse...

Nuno,

Gostei bastante do teu artigo. É destes artigos que aqui fazem falta ;)

Gostei desta:

"1ª opção: Não à IVG. Logicamente, SIM ao aborto clandestino.
2ª opção: Sim à IVG. Logicamente NÃO ao aborto clandestino."

Força nisso e um abraço!

Tito Santos disse...

A questão do aborto provoca sentimentos e crenças sobre o significado da vida, o poder da criação, sobrevivência das espécies, culturas e famílias ou seja questões Medicas, Legais, Éticas, Religiosas e Politicas.

Por mais complexo que seja do ponto medico, raramente é tão complexo que o mais comum dos mortais não seja capaz de entender, mas por outro lado há certos “grupos” que tendem a simplificar todas estas questões acima referidas de um modo demasiadamente simplista tentando por a questão simplesmente como BOM versus MAU.

A questão da liberalização, despenalização ou descriminalização, são palavras com significados diferentes mas devido a sua fonética tende-se a igualar, dado que a liberalização supõem libertação de uma situação, já a despenalização ou descriminalização presume uma acção de remoção de pena ou crime. O ponto-chave em toda esta questão do Aborto/IVG é a não criminalização das mulheres que optam pelo IVG, porque num certo momento da sua vida não conseguiram lidar com uma gravidez.

Tendo tudo isso em mente, a questão principal neste ponto é realmente a situação legal para que se modifique a lei de modo a que as mulheres que, optem pela IVG (que sempre optaram e continuaram a optar), não sejam criminalizadas e investigadas, embora não esteja na prisão nenhuma mulher por ter feito a opção de interromper a gravidez não quer dizer que não seja crime perante os actuais estatutos portugueses, mas só o facto de se investigar a vida pessoal e privada de uma mulher nos ternos sexuais é uma violação aos direitos da mulher.

Eu também sou a favor do DIREITO à interrupção voluntária da gravidez, mas lembra-te, as posições das pessoas sobre o aborto RARAMENTE são absolutamente PRÓ ou completamente CONTRA o aborto legal.

Despeço-me com estima e consideração, e deixo a mensagem final, no mundo por minuto, 380 mulheres engravidam e 110 têm problemas de saúde com a gravidez, 100 mulheres têm um aborto, 40 morrem em sequência de abortos não seguros.

Faça a diferença, o voto é secreto!